A  MoNTANHA

[...] com um longo grito montanhês encosta abaixo,

descendo do mundo, e naquele átimo percebi

que é impossível cair de uma montanha.

 

Os Vagabundos do Dharma, Jack Kerouac (1958)

 

 

A subida

 

 Reparei nela

porque não havia nada mais

no mundo.

 

 Tudo se ocultara,

com vergonha,

na sua presença.

 

 Eu converti-me em desejo.

 

 Ela mirou-me

como o mar a um rio.

 

 Quando toquei a sua pele,

perdi-me.

 

 

***

 

 

A cima

 

 

 Não lembro ter chegado

a esta cima.

 

 Suponho que fomos caindo,

enroscados,

cara arriba.

 

 Morrendo um no outro.

Extinguindo o incêndio

mútuo, nas noites.

 

 Não posso pedir mais da vida,

agora ela é tudo.

 

 Só quero ficar aqui para sempre.

 

 

***

 

 

A caída

 

 Não era nada quando a conheci.

 

 Nem um átomo

nos meus pensamentos.

 

 É como um desses paradoxos antigos.

 

 Eu não sou nada agora,

só lembranças infestadas dela.

 

 Só perda,

olhos no chão.

 

 Ainda em pé,

como uma árvore morta.

 

 

***

 

 

A montanha

 

 Caminhei muito, sem deter-me,

até esquecer de que fugia...

 

 Ao voltar à vista atrás

vi ao longe,

com cicatrizes nos olhos,

a montanha.

 

 E soube-me condenado

uma e outra vez a esta perda.

 

 A desfazer-me,

fazer-me um co caminho.

 

 Completamente só 

no meio da vida.

 

 Esquecer.

 

 Ter aprendido algo,

com sorte, algum dia.

 

 E olhar-te então chegar

como mira o chão

à fruta madura.

 

A Montanha